quinta-feira, 27 de agosto de 2009

A "linguagem essencial" da ciência

Autor: Henrique Fleming
Em seu famoso livro Il Saggiatore , diz o grande Galilei:
La filosofia è scritta in questo grandissimo libro che continuamente ci sta aperto innanzi a gli occhi (io dico l'universo), ma non si può intendere se prima non si impara a intender la lingua, e conoscer i caratteri, ne' quali è scritto. Egli è scritto in lingua matematica, e i caratteri sono triangoli, cerchi, ed altre figure geometriche, senza i quali mezzi è impossibile a interderne umanamente parola; senza questi è um aggirarsi vanamente per un' oscuro laberinto.

É um risco traduzir Galileu: se, por um lado, ele é meridianamente claro, por outro lado, seu italiano é de tal beleza que se tornou um dos grandes clássicos da língua. É como se Camões tivesse escrito um tratado de física: quem teria a coragem de tentar traduzí-lo a outra língua? Isto posto, corro este risco, e ofereço a minha pobre tradução.
"A filosofia (isto é, a ciência) está escrita neste grandíssimo livro que, continuamente, está aberto diante de nossos olhos (eu quero dizer o universo), mas que não se pode entender se não se aprende a entender a língua, e a conhecer os caracteres, os quais está escrito. Ele é scrito em língua matemática, e os caracteres são triângulos, círculos, e outras figuras geométricas, sem cujos meios é humanamente impossível entender uma só palavra; sem esses é um vão caminhar por um obscuro labirinto".
Neste texto Galileu não defende uma primazia da física teórico-matemática sobre a física experimental. Não faria sentido: ele foi um dos maiores físicos experimentais de todos os tempos, e baseava todas as suas argumentações em sólidas experiências. O inimigo era outro: o uso impreciso e figurado da linguagem comum naqueles tempos, herdado da filosofia medieval, bem como as interpretações da natureza baseadas na linguagem poética, alegórica, da Bíblia.
Muitos séculos depois, outro grande escritor italiano, Primo Levi, maravilhou-se quando, estudante recém-ingressado no Instituto de Química da Universidade de Turim, ouviu o professor expressar-se em uma "linguagem essencial", em que cada termo tinha um significado preciso, o que era um alívio, num país (estamos na Itália da época do fascismo) dominado pela retórica demagógica de Mussolini. Era, de novo, a linguagem da ciência opondo-se a uma linguagem oficial inadequada.
Um terceiro exemplo de linguagem inapropriada para a ciência vem-nos do grande físico Richard Feynman, prêmio Nobel de física por seus trabalhos sobre a eletrodinâmica quântica. No trecho a seguir ele conta como seu pai, Melvin Feynman, lhe ensinava ciência, quando menino.
"Tínhamos em casa a Encyclopaedia Britannica . Quando eu era um menino, meu pai costumava sentar-me em seu colo e lia-me textos da Britannica . Podia ser, por exemplo, sobre dinossauros. Digamos, o Tyranosaurus rex . Ele diria: --Este dinossauro tinha 8 metros de altura e sua cabeça tinha uma largura de 2 metros. Então ele parava de ler e dizia:--Vamos ver o que isto quer dizer. Quer dizer que se ele estivesse no nosso jardim, sua cabeça apareceria aqui na janela (estávamos no segundo andar). Mas a cabeça seria grande demais para passar pela janela.
Tudo o que ele lia era traduzido, da melhor forma que podia, em termos reais.
Costumávamos ir às montanhas Catskill, olhar as árvores e os animais. Ali ele me ensinava muito, por exemplo, sobre os hábitos das várias espécies de pássaros que encontrávamos. Como eu conversava, depois, muito sobre o que tinha aprendido, os outros meninos me tomavam por uma espécie de autoridade. Um deles me perguntou, um dia:'Está vendo aquele passarinho? Como se chama?'. 'Não tenho a menor idéia', respondi. E ele: 'É uma corruíra. Teu pai não te ensinou nada!'.
Mas era o oposto. Ele já tinha me ensinado muito mais. Ele já tinha me ensinado que você pode saber o nome de um passarinho em muitas línguas, sem saber absolutamente nada sobre o passarinho. 'O nome não interessa' dizia ele. 'Vamos olhar o passarinho e ver o que ele está fazendo . Isto é o que interessa.' Assim, eu aprendi muito cedo a diferença entre saber o nome de alguma coisa, e conhecer a coisa.'.
Ou, para usar uma expressão cara ao professor Frank Quina, do Instituto de Química da USP, Feynman aprendeu a diferença entre informação e conhecimento.

Um comentário:

  1. ola sou do blog
    http://explicacaodanet.blogspot.com/
    queria te convidar para virar autor do meu blog
    é uma forma de divulgar o seu blog tbm se interessa?

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